terça-feira, 16 de julho de 2019

VIDA





Completam-se hoje 50 anos desde a partida da Apollo 11 com destino à Lua.

Como forma de comemorar esta data, transcrevo parcialmente a excelente crónica do Padre José Tolentino Mendonça, no EXPRESSO do último sábado:

"Diz-se que os saberes são aquilo que nos permite ganhar a vida. Mas não podemos esquecer que a sabedoria é aquilo que nos permite verdadeiramente vivê-la.
(...)
A verdade é que vivemos muito à superfície, a esbracejar, a correr de um sítio para outro, e fazemos disso um hábito. Vivemos dando respostas às solicitações que constantemente nos são feitas, às imagens que se atropelam numa sonâmbula sucessão. Na voragem destas sequências, cada instante emerge como um ponto desconexo que num relâmpago se esvazia e não como testemunho de uma iminência maior que perdura. E é assim que raramente mergulhamos no coração da vida.
(...)
Acontece-nos isto: olhamos para um jardim, gostamos, não gostamos, intervimos, cortamos, cerceamos e, de repente, temos um jardim geométrico, deslumbrado por formas perfeitas. Contudo, é bom saber que o nosso desejo deste artifício é uma enganadora ilusão, porque a vida é informe, ainda em bruto, ainda inicial. Por isso, ela é viva. Creio que temos de construir os nossos canteiros bem ordenados, mas temos de desejar ardentemente que também as flores de que não conhecemos o nome venham florir à nossa porta.
(...)
Uma das formas fundamentais da sabedoria é a descoberta que cada um de nós vai fazendo numa vida adulta, a ciclo e a contraciclo, a tempo e fora do tempo, de que somos inacabados. Não por acaso os mestres espirituais ensinam que um dos maiores obstáculos na vida interior é a perfeição, ou melhor, a ideia da perfeição. Porque, no fundo, ela nos atira para fora da própria vida, e nos mantém como que aprisionados à miragem de uma existência que não é a nossa. Mais importante do que a completude é nos sabermos nas mãos do oleiro. São duas experiências a associar: a do inacabamento  e a de habitarmos continuamente um processo de (re)criação. Por exemplo: os dias da nossa vida, em que parece que já não há nada para acontecer, são, mesmo se de uma forma que porventura ignoramos, um tempo de criação. Grande tarefa esta de levarmos a sério a própria vida. Porque o abraço ao que somos é a única possibilidade de um abraço que nos salve. A possibilidade do abraço de Deus."