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«É uma velha história sufi. Um homem atravessava, uma tarde, a praça do mercado quando alguém lhe puxou pela manga. «Eu sou a Morte», disse a figura. «Vim para te avisar que temos encontro marcado às seis da manhã.» O homem ficou muito assustado, mas pensou que poderia fazer bom uso da informação adiantada. Vendeu o que tinha rapidamente, comprou os três melhores e mais rápidos cavalos que havia na cidade e lançou-se através do deserto em direcção a uma cidade distante, onde tinha a esperança que a Morte não conseguisse encontrá-lo.
Cavalgou toda a noite, como o vento, esgotando cavalo após cavalo, até que, aproximando-se as seis horas da manhã, chegou a um pequeno oásis, onde desmontou para beber água antes de continuar a viagem. Quando se encaminhava para o poço, uma figura silenciosa que estava sentada ao lado deste olhou o relógio e levantou-se, dizendo: «Curioso. Eu ia jurar que o senhor não conseguiria chegar a horas!»
Não vale a pena fugir. Nem, pelo contrário, procurá-la. Ela tem a sua hora e é pontual.
Na última das análises, é a nossa concepção da morte que decide todas as respostas às perguntas que a vida nos faz.
Conscientes do nosso fim, tudo passa a ter sentido numa vida tão curta. Com o sentido, vem a necessidade de lhe desvendar o segredo e a descoberta só pode ser feita quando se chega ao coração. É preciso, nessa altura, abrir de par em par o coração ao corpo da vida. É assim que se cresce e é possível ter paz.
«A vida e a morte são uma só, tal como o rio e o mar são um só.» Khalil Gibran sabia do que falava.»
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«Portugal dificilmente poderia escapar à vaga europeia que representa a terceira grande guerra do capitalismo. Depois de, com a Revolução Francesa, ter tido início a contradição entre o capitalismo e o Estado monárquico e depois de o Estado republicano ter conseguido enquadrar o capitalismo, estamos a viver a tentativa de o capitalismo substituir o próprio Estado.
Não podia o País escapar às quatro grandes linhas desta mutação. A primeira consiste na desculpabilização do dinheiro. A segunda no triunfo do individualismo. A terceira na competição, com visíveis consequências, no mundo do trabalho. A quarta na uniformização dos comportamentos, em particular sob a influência da televisão e, já em parte, da informática.
(...)
Não haja ilusões. O capitalismo venceu o Estado monárquico no fim do século XVIII. O Estado venceu o capitalismo no fim do século XIX. Agora o capitalismo não quer somente vencer de novo: quer destruir o seu inimigo amolecido por erros e vícios que alguns de nós pudemos ver e criticar.»
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« (...)
É impossível globalizar o que é diferente e, mais, é antagónico. A Malásia não é a Hungria, o Brasil não é a Índia, a Alemanha não é a China, o Japão não é a Rússia, o Chile não é o Egipto.
Talvez com muitas e imprevistas tensões seja possível uma União Europeia.
Mas globalizar as relações mundiais, sendo impossível, é um desastre para dezenas de povos, culturas e Estados. (...)
(...)
A globalização não é apenas o digital ou o telemóvel. É a imposição de regras económicas uniformizadoras que implicam normas jurídicas e políticas semelhantes. Pressupõe um homem novo ainda mais utópico do que o comunista.»
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« No último Independent on Sunday muitos ingleses dizem aquilo que a maioria de nós todos, os que já não têm 20, 30 ou 40 e tal anos, sente: how lucky we are not to be young.
Hoje, de Portugal à Argentina, com vinte ou trinta e tal, vive-se preocupado pela renda ou prestação da casa, pelo infantário ou colégio dos filhos - e mesmo pela dúvida de se deve ter filhos -, o emprego, a compra do carro, do hi-fi, do computador pessoal, etc.
Com quarenta e tal, o emprego é a angústia maior, em particular na Europa, mas a droga nas escolas e nas ruas, os gastos com os filhos, a troca de casa ou de bens de consumo são, igualmente, agressões psicológicas com repercussões físicas.
Mas os que estão acima dos 50 anos e não participaram nas guerras ou totalitarismos tiveram o privilégio, em quase todo o mundo, de melhor ensino, juventude sem droga, moderação no consumo, pleno emprego (...), sem grandes dificuldades na habitação, sem burocracia paranóica e sem a tragédia do trânsito actual.
(...) pela parte que nos toca, contamos viver com imprescindíveis sofrimento e prazer os próximos tempos e deixar para os outros o século XXI, que, por laxismo, comodismo e patetice dos que têm 20, 30, 40, 50 anos, sem distinção, pode vir a ser uma embrulhada colossal, pressentida desde já.»
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«Recusam-se a pensar.
Mesmo a apenas três dias do Natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo.
Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério sem sequer querem ouvir falar.
São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos.
Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água nas penas dos cisnes.
Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade.
O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos.
Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena.
As coisas são o que são.»
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«Um mês sem escrever. Depois, por respeito pelo DN e por Mário Bettencourt Resendes, que, vão seis anos e meio, me convidou para esta bancada de cinco dias semanais, voltei durante duas semanas. Elas chegam ao fim na sexta-feira próxima.
Não há balanços a fazer. Mas há alguns pontos a recordar.
(...)
(...) não hesitei em tornar esta coluna num exemplo de perplexidade, numa época em que as revoltas mal conseguem articular-se, desfazendo-se como bolas de sabão sopradas pelos lábios.
Nesse campo não escondi achar que as nossas dores são demasiado tímidas. As dores, os medos, as espontaneidades, os amores, os ódios são demasiado tímidos. Trocamos a ousadia pelo entretenimento.Pensamos pouco, mergulhamos em tarefas neuróticas e só queremos como compensação divertirmo-nos o máximo possível. Divertimo-nos em vez de vivermos. Dilapidamos a inteligência e cortejamos a tolice. Mantemo-nos na periferia de nós próprios, recusando o mistério que se desenrola na alma.
De certa forma, esta coluna passou anos a combater essa diminuição da ecologia da alma. Se tivéssemos de escolher um ser amado, um herói, escolheríamos Job, que jamais se curvou - nem a Deus - perante a evidência de um mundo iníquo.»