I
ENQUADRAMENTO
A leitura da resposta do Senhor Presidente do Conselho de Administração e
da Senhora Presidente da Comissão Executiva da TAP aos Senhores Ministro das
Finanças e Ministro das Infraestruturas e Habitação, suscitou-me as seguintes observações
e questões jurídicas:
Como é dito no referido documento, sendo a TAP uma pessoa coletiva com
capital exclusivamente público, está sujeita ao Regime do Setor Público
Empresarial (Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro) e, consequentemente, os
membros designados para os respetivos órgãos de gestão estão sujeitos ao
Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março).
O Decreto-Lei n.º 39-B/2020, de 16 de julho, através do n.º 3 do artigo
2.º, veio excecionar a aplicação de algumas normas dos diplomas acima referidos
à TAP - porém, essas normas não estão em causa na presente análise.
DA INEXISTÊNCIA DE CONTRATO DE GESTÃO
O n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto do
Gestor Público dispõe
que “nas empresas públicas é obrigatória a celebração de um contrato de
gestão”, do qual deve constar o conteúdo definido no n.º 2 da referida
disposição legal, nomeadamente “os parâmetros de eficiência da gestão” e “outros
objetivos específicos”.
O n.º 2 da mesma disposição acrescenta que “o contrato de gestão é
celebrado no prazo de três meses contado a partir da data da designação do
gestor público entre este, os titulares da função acionista e o membro
do Governo responsável pelo respetivo sector de atividade, sendo nulo o
respetivo ato de nomeação quando ultrapassado aquele prazo”.
Na resposta da TAP aos Senhores Ministros é
dito que a Senhora
Eng.ª Alexandra Reis, “enquanto administradora da TAP, não celebrou qualquer
contrato escrito de gestão, nos termos do Estatuto do Gestor Público”.
Por que não foi celebrado contrato de gestão, como é exigido pelo n.º 1 do artigo 18.º
do Estatuto do Gestor Público?
Quais as consequências jurídicas de não ter sido
celebrado contrato de gestão?
III
DA CESSAÇÃO DE FUNÇÕES E DA INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO
DE FUNÇÕES
O Estatuto do Gestor Público dedica o seu capítulo V à responsabilidade (artigo
23.º) e à cessação de funções dos gestores (artigos 24.º, 25.º, 26.º e 27.º).
Da leitura deste capítulo decorre que os gestores podem cessar funções por:
- Dissolução com justa causa do conselho de
administração, por iniciativa do órgão de eleição ou
nomeação (artigo 24.º), não havendo
lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções;
- Demissão individual com justa causa, por iniciativa do órgão de eleição ou nomeação (artigo 25.º), não havendo lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções;
- Renúncia por parte do gestor (artigo 27.º);
- Dissolução do conselho de administração ou demissão individual por mera conveniência, por iniciativa do órgão de eleição ou nomeação, independentemente de qualquer fundamento (artigo 26.º) – neste caso, o gestor, desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses (n.º 3 do artigo 26.º). Porém, nos casos de aceitação, no prazo a que se refere o número anterior, de função ou cargo no âmbito do sector público administrativo ou empresarial, a indemnização eventualmente devida é reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga (n.º 4 do artigo 26.º).
Na resposta da TAP aos Senhores Ministros é dito que:
- a cessação de funções com a Senhora Eng.ª Alexandra Reis foi efetuada por “acordo de revogação pelas partes das funções de administração”,
- o qual foi submetido “a um compromisso recíproco de confidencialidade”,
- e que a Senhora Eng.ª Alexandra Reis “emitiu cartas de renúncia que suportaram o registo junto da conservatória do registo comercial da cessação de funções de administração, bem como o anúncio feito ao mercado”.
Na minha opinião jurídica, não é legal fazer
cessar as funções por acordo de revogação, porque não é uma das formas de
cessação previstas no Estatuto do Gestor Público.
Na resposta da TAP justifica-se a legalidade da solução com a seguinte argumentação:
- “O Estatuto do Gestor Público não contempla expressamente o acordo como possível forma de cessação de funções de administração, mas também a não veda;
- O artigo 40.º do Estatuto do Gestor Público estabelece uma remissão legal para o Código das Sociedades Comerciais, prevendo que, em tudo o que não se encontrar especificamente previsto no Estatuto do Gestor Público, aplicar-se-á este diploma legal;
- Ora, o Código das Sociedades Comerciais consente o acordo de revogação pelas partes das funções de administração”.
Não concordo com esta argumentação.
O artigo 40.º do Estatuto do Gestor Público
prescreve que “em tudo quanto não esteja disposto no presente decreto-lei,
aplica-se o Código das Sociedades Comerciais”.
Mas o Estatuto do Gestor Público
regulou as formas de cessação das funções de gestor, dedicando-lhe até um
capítulo autónomo.
Ou seja, só faria sentido aplicar o Código das
Sociedade Comerciais, à luz do artigo 40.º supra referido, se o Estatuto
do Gestor Público não regulasse a matéria da cessação.
Deste modo, apenas são admissíveis as formas de
cessação previstas 24.º a 27.º do Estatuto do Gestor Público e apenas no caso
previsto no artigo 26.º (e nas condições nele previstas) existe direito a uma
indemnização.
Por essa razão o n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto do
Gestor Público dispõe que “os contratos de gestão não podem estabelecer regimes
específicos de indemnização ou qualquer outro tipo de compensação por cessação
de funções, nem contrariar o que se encontra fixado no artigo 26.º”.
Depõe ainda neste sentido o facto de estarmos na
esfera do Direito público, onde vigora o princípio da competência (só pode
fazer-se o que é permitido), e não no âmbito do Direito privado, onde vigora o
princípio da liberdade (pode fazer-se tudo o que não é proibido).
Pelo que, não se integrando a cessação de funções
da Senhora Eng.ª Alexandra Reis nas formas de cessação previstas no capítulo V do
Estatuto do Gestor Público, o acordo de revogação é ilegal e não há direito a indemnização (que só existiria na forma de cessação e nas condições previstas no artigo 26.º).
Porém, sem prejuízo da opinião expendida, pergunto:
- Por que razão o acordo de revogação, considerado legal pelas partes:
- foi submetido “a um compromisso recíproco de confidencialidade”?
- não foi assumido externamente, sendo substituído por carta de renúncia e ocultando a existência de indemnização?
- O acordo de revogação foi celebrado entre quem (além da administradora)?
- Não tendo sido a cessação de funções da iniciativa da administradora, é possível, em termos legais, o processo de cessação de funções da administradora não passar pela assembleia geral?