sexta-feira, 23 de março de 2012

CRÉDULOS E INCRÉDULOS

Uma visão lúcida, na crónica de Rui Tavares, no PÚBLICO do passado dia 8 de Fevereiro. Só a educação e a cultura nos podem salvar.
«A linguagem vazia dos governantes (...) acabou criando uma sociedade dividida entre crédulos de um lado e incrédulos do outro.
Nessa sociedade as reações são sempre as mesmas independentemente dos factos. Seja como for, o crédulo acredita em tudo o que lhe dizem, o incrédulo não acredita em nada. (...) Ambos podem ser, portanto, perigosos à sua maneira.
O crédulo acha sempre que os governantes são, por definição, pessoas responsáveis. A cada "cimeira histórica para salvar o euro" não consegue conceber que os governantes tenham sido ultrapassados pelos acontecimentos ou limitados pelos seus preconceitos, e inventa desculpas para se ter falhado o alvo (...).
O incrédulo acredita que os governantes não passam de meros fantoches do "sistema". Há versões anti-capitalistas, mas também pro-capitalistas, destes incrédulos: para uns o mercado tem todo o poder, para os outros o mercado tem toda a razão.
Tal como o crédulo encontra desculpas para a sua passividade porque pensa que os responsáveis vão acabar por fazer aquilo que é certo, o incrédulo não toma responsabilidade por absolutamente nada do que se possa fazer: ele viu tudo, ele já sabia que nada era para levar a sério, ele não deseja envolver-se em nada.
Como parece evidente, tanto o crédulo como o incrédulo se enganam a si mesmos, e aos outros: um finge acreditar para não ter de agir, outro finge não acreditar para não ter de agir.
Uma sociedade perfeitamente dividida entre crédulos e incrédulos é uma sociedade perigosa. Nela, os políticos sem escrúpulos entendem que podem dizer tudo o que quiserem, porque os crédulos são crédulos e acreditam em tudo o que se lhes diga e os incrédulos são incrédulos e de qualquer forma nunca acreditam em nada. Passa então a ser possível, para um político sem escrúpulos, dizer que quer a paz mas procurar a guerra - foi o que sucedeu na Europa dos anos 30.
Só uma sociedade inteira, com uma cultura cívica, pode ser antídoto para os políticos sem escrúpulos; não são os políticos com escrúpulos que conseguem vencer os políticos sem escrúpulos. Um escrupuloso tem sempre menos armas no arsenal do que um inescrepuloso; encontra-se limitado pelos seus escrúpulos e, se decidisse deixá-los de lado, passaria a ser igual ao outro - que assim ganharia duas vezes.
Uma sociedade dividida entre crédulos de um lado e incrédulos do outro não pode salvar-se. Essa seria uma sociedade em que uns achariam que não é preciso fazer nada e outros achariam que não há nada que se possa fazer.
Para nos salvarmos, temos de ser crédulos e incrédulos ao mesmo tempo.»

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